André Ventura vai ser preso?
Fúria e angústia: a depredação do Palácio de Belém, de São Bento
Sim, em resumo, Bolsonaro eventualmente será contemplado com uma ordem de prisão. São muitos processos judiciais, há provas para todo lado e, o que é determinante, há inúmeros asseclas abandonados aos lobos no meio da estrada —além de um Judiciário instado a agir só para sobreviver a essa gente.
É uma "tempestade perfeita", como se tornou habitual dizer e não mero refluxo da maré numa república bananeira, como parece ser a opinião mais comum em Portugal.
Grande parte do público português há anos olha para a cena brasileira com um sorriso no canto dos lábios. Ajuda bastante, para esse resultado, uma tradução rasteira, embora subliminar, de uma realidade que destaca o aspecto folclórico dos acontecimentos.
O costumeiro lamaçal do terceiro mundo —termo que em Portugal se aplica ao Brasil— é sempre um bálsamo para a auto-imagem de quem discute a impecável pavimentação da democracia portuguesa.
Modo geral, os portugueses concordam com Marcelo Rebelo de Sousa quando este afirma que "no Brasil nunca há problemas".
Em calções de banho no meio de Copacabana, o Presidente da República disse que aprendeu com o avô, um emigrante do Século XIX, que "no Brasil o que parece problema não é problema, só parece".
Bolsonaro acabara de cancelar um encontro em Brasília porque o neto daquele emigrante foi ver primeiro o Lula em São Paulo. Marcelo estava certo, aquilo não era um problema. Nem tudo o que parece se-lo, porém, pode ser tão facilmente descartado.
O notório desprezo do ex-presidente brasileiro por Portugal, a ponto de sequer alguma vez ter criticado o país, só encontra paralelo na desmedida paixão do atual presidente português pelo Brasil.
Foi assim que aquele banhista se lançou às ondas numa manhã de inverno no Rio de Janeiro: problema nenhum.
Problemas mesmo, só em Portugal, onde pode parecer que não há problemas, mas só parece. Por exemplo André Ventura, o personagem local mais próximo do problema que é Bolsonaro no Brasil, continua a ser tratado como parte da paisagem. Só parece que não é um problema.
Até aqui nada indica que venha a ser mais votado que os políticos tradicionais, mas o debate nacional já está contaminado. Não parece, mas é um problema.
Cada vez que Bolsonaro dizia, fazia, autorizava ou estimulava uma alarvidade plantava-se uma semente destruidora. E o cipoal de atrocidades construiu-se, por vezes, dentro da legalidade.
Para armar mal intencionados país afora, por exemplo, bastou uma assinatura. Fechar os olhos para as ilegalidades daí decorrentes, como a facilitação de porte, a falta de controle do arsenal privado ou o repasse de armas legalmente adquiridas a organizações criminosas já são outros quinhentos.
Cada um deles, os outros quinhentos, poderá converter-se em problemas que pareciam não ser. É possível estimular a destruição da Amazonia sem praticar uma ilegalidade: basta eliminar a fiscalização. Mas minar o combate às queimadas pode ser um problema legal.
É possível condenar dezenas de milhares à morte por sufocamento sem enfiar um saco plástico na cabeça de ninguém. Basta convencer uma boa parcela da população a recusar a vacina. Ilegal, não é. Ou seria um atentado contra a saúde pública?
É por essas e outras que sim, qualquer um, eventualmente, poderá ser preso. Até lá veremos correr, estima-se, o devido processo legal.
Quando em Portugal as pessoas se perguntam se Bolsonaro vai ser preso, pensam acompanhar mais uma das novelas brasileiras, cheias de problemas que não são problemas, como diria Marcelo Rebelo de Sousa.
Entretanto aturam diariamente como meras veleidades, coisa que não parece ser um problema, as próprias sementes do ódio. Daqui a sabe-se lá quantos anos —em Espanha esteve por um fio, na Alemanha pode ser já amanhã— Portugal poderá ver-se enredado no cipoal que assola o Brasil.
Em Janeiro, quando o Parlamento português votava uma condenação formal ao episódio golpista do dia oito, com a depredação das sedes do Poder em Brasília, o deputado André Ventura achou de compreender "perfeitamente a fúria e angústia de milhões de brasileiros ao verem seu país governado por um bandido".
Em que ponto na história terá ele como compreensível a depredação do Palácio de Belém, de São Bento, quando estiverem em funções os que André Ventura chamar de bandidos —depois de disseminar o ódio e mover multidões por anos a fio?
Bolsonaro não é uma comédia brasileira. A pergunta que cabe, desde já, é se André Ventura vai ser preso.
Imagem: reprodução de TV
O Deputado André Ventura no parlamento português em 20/07/2023